Sobre tocar juntos
Como estamos pensando em um coro, e o ponto de partida nosso é uma atuação em grupo, como é essa experiência de tocar juntos e o que ela contribui para criar um coro?
Flávio tem insistido nessa proposta de todos trazerem algo que faz som para nossos encontros. Eu tenho me especializado nesse papel cada vez mais, de ser uma fonte sonora que contracena com atores em cena. O que agora se pede é que os atores também produzam som e se relacioname sonoramente com os outros, com as cenas.
Em um primeiro momento, parece coisa de outro mundo: fica mais perceptível o não encaixe dos sons quanto ao do movimento. E por que será isso?
A primeira coisa que me vem a mente é nossa prática habitual de nos relacionar com sons. Nós normalmente não produzimos sons: ouvimos sons já realizados, registrados em um arquivo de som. Esse som dentro de um arquivo possui um roteiro realizado, uma ordem de eventos. O que então acontece é que naturalizamos esse roteiro para o que a gente quer: nos valemos de um arquivo fechado, com uma ordem de eventos e tentamos encaixar isso em alguma atividade social. De fato, ao naturalizar esse arquivo, ao inserir esse arquivo em alguma atividade social, somos nós quem nos adaptamos a esse roteiro. Pois o roteiro está lá, no arquivo.
Em nossos encontros, a partir da proposta de Flávio, não há esse arquivo, nem esse roteiro. Então devemos construir isso a cada exercício. E como se faz isso?
A primeira coisa é ouvir, entreouvir: perceber o som que o objeto faz e os sons dos objetos das outras pessoas. Em música esse tema é tratado como instrumentação ou organologia. Cada som deixar ouvir a matéria da qual é feita a fonte sonora. Um violão, um piano, uma flauta, etc, podem tocar um som que tem a mesma altura/frequência, mas são sons diferentes, pois a madeira do violão e o metal da flauta som de maneiras diferentes. Chamados isso de timbre.
Voltando ao nosso coral, à nossa atividade com o grupo, é fácil percebemos como somos diferentes: corpos diferentes, histórias diferentes, ideias diferentes. Uma atividade coral não anula as diferenças; antes, é pelas diferenças que temos um coro. O objetivo de um coro não é anular as diferenças e sim aproximar as diversidades. E nessa aproximação fazemos mediações, contatos, vínculos, vamos indo juntos em alguma direção.
Assim, podemos pensar no som em situação de um coro, como uma orquestra. Podemos fazer todos soarem juntos, sem preocupação nenhuma com diferenças. Assim, anulamos as diferenças, pois não ouvimos as diferenças. Geramos algum indiferenciado. Mas podemos proceder a explorar os timbres e sua percepção. Nisso trabalhos com planos sonoros, com procedimentos que organizam esses sons em algo perceptível.
Por exemplo: Podemos criar e manter um pulso. Podemos depois alterar um pulso. Uma pulsação inicial é uma referência. Como a batida do coração. E como o coração, esse pulso pode ser alterado durante uma cena, uma performance. Pode ser alterado para ficar mais lento (desacelerar) ou para ficar mais rápido (acelerar).
Outra situação a explorar é o da textura ou densidade: não precisamos todas as fontes sonoras tocando ao mesmo tempo. Vamos introduzindo as fontes como camadas. Tocar todos juntos, em música a gente chamada isso de Tutti, geram muito som, e geralmente a gente associa isso a uma ênfase, a um clímax. se o tempo inteiro estamos em Tutti, tocando juntos todos, isso que parece forte vai se enfraquecendo, pois perde sua relevância, já não enfatizada nada.
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